Há uma relação, embora mascarada, entre homofobia e desigualdade social. Mais precisamente entre identidade homossexual, o que nos remete aos interiores do “movimento”, isto é, não aos olhares marginais/periféricos ao “movimento”. Se nos delimitarmos um pouco mais, a homossexualidade masculina grita (e tem mais espaço) do que a feminina. Aqui se hipotetiza o subjugo perene da mulher na sociedade patriarcal, isto é, mesmo se assumindo como lésbica, seus graus de liberdade são, generalizadamente, menores em relação ao homossexual masculino.
GLBTT se refere a gays, lésbicas, transexuais e travestis. Antes se revelar como quaisquer dessas letras da sigla, há uma raça, uma classe social a que se pertence. Será mesmo possível que homossexuais ricos tenham os mesmos problemas que homossexuais pobres? Mais, de fato, há correspondência recíproca e equivalente entre os anseios de gays, lésbicas, travestis e transexuais? Homossexuais de países desenvolvidos enfrentam os mesmos problemas daqueles que vivem nos países subdesenvolvidos?
As comunidades e a identidade gay se erigiram e ganharam voz com o capitalismo (especificamente, desenvolvimento capitalista). A família vai perdendo seus traços de unidade de controle sobre os indivíduos e a introdução do trabalho assalariado reforça isso ao destituí-la do “posto” de unidade rural de produção auto-suficiente. Dessa forma, não só procriar deixa de ser o objetivo maior da família, como uns vão perdendo os domínios sobre os outros. Nessa brecha, os filhos puderam se emancipar e organizar suas vidas conforme pretendessem, precisamente em grandes centros urbanos.
O desenvolvimento do capitalismo impinge, por outro lado, arrefecimento gradual divisão sexual do trabalho à família. Com o que a mulher tanto se assume lésbica, quanto se engaja em causas feministas. Porém, sobre a mulher incide discriminação anterior à homossexualidade, decorrente do machismo.
Conforme se mencionou, a urbanização é condição primeira para o surgimento de relações e canais de identificação homossexual; que abre espaço para se sentir parte de uma “comunidade gay”. No Brasil, São Paulo foi uma das primeiras a incluir legislação proibitiva de discriminação por orientação sexual, o que tem se estendido a outras cidades brasileiras.
Voltando à questão socioeconômica. A desigualdade social importa por ser fator obstaculizador do estabelecimento de relações homoafetivas, de redes entre homossexuais. Especialmente pela menor possibilidade dos mais pobres se independentizarem de suas famílias. Ao passo que homossexuais de classes mais altas têm condições financeiras para “bancar” apartamentos específicos para encontros ou de pagar motéis. Há de se lembrar que homossexuais das classes "inferiores" podem representar importante ajuda financeira e material à família, tornando-a mais tolerante para com suas relações homoafetivas.
Homossexuais de classes mais baixas se deparam mais com a burocracia estatal ou dependem mais de serviços estatais, os quais apresentam limitações sérias nos países subdesenvolvidos. Fato que os torna mais suscetíveis à discriminação e vulneráveis.
As diferenças entre estilo de vida de homossexuais ricos e pobres influencia os ambientes (sobretudo os de lazer) a que freqüentam. Para ter acesso a lugares como boate, lojas, cinemas destinados ao público gay é preciso ter dinheiro (o que se denomina “pink economy”), restando aos homossexuais pobres os espaços como praças, parques, praias. Há, então, hierarquia homo-espacial, que pode intensificar a discriminação do gay pobre e negro ao aumentar a importância e, por isso, aceitação do gay rico e branco. Esse se torna aceitável por ser fonte de lucro, afinal, fomenta a pink economy.
Por fim, ao estarem restritos a espaços públicos para estabelecer redes homoeróticas (afetivas, socializantes), os gays da periferia estão mais sujeitos à violência, que pode ser tanto de grupos homofóbicos, quanto de policiais. Há para os homossexuais ricos uma redoma das discriminações gritantes, além de contarem com maiores recursos para reclamar possíveis homofobias.
Sublinhou-se no texto que a condição social, a raça e o sexo podem configurar quadros diferentes de discriminação aos homossexuais. Discrepâncias que podem levar a discordâncias e lacunas dentro do movimento (na representação) gay, tornando-o menos homogêneo na luta pelos direitos da comunidade gay. Principalmente pelas necessidades não serem comuns, obrigatoriamente.
Salienta-se que nada do que está escrito é imbuído de regra, de lei universal, de dogma. Apenas se intentou evidenciar que fatores transversais, como os socioeconômicos, à identificação homossexual influenciam na discriminação sofrida.
*Texto base para esse: MARSIAJ, Juan P. Pereira. Gays ricos e bichas pobres: desenvolvimento, desigualdade socioeconômica e homossexualidade no Brasil. Cadernos AEL, Campinas, v.10, n. 18/19.
1 comentários:
Um texto esclarecedor! E concordo, o blog está ficando bom... Pois estamos registrando aquilo que tanto discutíamos, e na maioria das vezes, ficava apenas na forma oral. Colocar no 'papel', é consentir com a nossa própria história a ser construída. Do contrário, estávamos nos negando - assim penso.
E a diferença entre a bicha e o gay, infelizmente, uma diferença de rótulos impostos; tem haver com a condição social de quem olha, muito mais do que a de quem é rotulado.
Afinal, somos uma sociedade medíocre que gosta de rotular - inclusive eu. Isso nos torna incapazes de ver o quão ricas são as pessoas e quanto fecundas são essas novas identidades.
Beijosss
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