Assim Caetano Veloso expôs a importância da fala para se entender a idéia de pertencimento, na música "Língua". Não é por signo do acaso que as diferentes tribos, desde a idade primitiva até as mais contemporâneas, acabam trazendo novos termos para a linguagem. Um capítulo à parte no universo gay é a linguagem beeem peculiar usada no meio. Como toda "tribo", o mundo GLS também elege suas gírias de tempos em tempos e algumas até invadem o dia-a-dia da população. Não é raro algum moderninho hétero falar que o último CD de sua banda favorita "é tudo de bom" e até a doméstica mais desligada já incorporou ao seu léxico termos como “vou te contar um babado”.
Mas, você já imaginou um dicionário que incluísse todos aqueles termos indecifráveis que suas amigas mais pintosas e babadeiras costumam dizer quando estão caçando aquele bofe bombado? Pois é, esse dicionário existe e foi lançado pela Editora do Bispo: “Aurélia, a Dicionária da Língua Afiada” (assim mesmo no feminino porque bicha que é bicha trata a outra no feminino). O primeiro dicionário de expressões gays do Brasil é escrito pelo jornalista Victor Ângelo, 38, que assina com o codinome de Ângelo Vip, e Fred Libi, que na obra se descreve como um "gay de nascença que refugiou-se nos estudos para entender o mundo que o hostilizava". De acordo com eles, o que era "o" vira "a" entre os homossexuais.
O título é uma referência ao famoso "Aurélio", de Aurélio Buarque de Holanda, um dos maiores lexicógrafos do Brasil. "Aurélia" contém 1.300 verbetes, todos descritos, na forma, como em um dicionário tradicional. "O nome é uma homenagem ao Aurélio. Ele é pop. Tanto que quando você fala em um Aurélio, se refere a um dicionário. Seria muito feio se fosse Houaissa”, explica Ângelo. O autor afirma que prefere chamar o livro de "dicionária" e acha que a classificação das expressões gays é importante. "O livro pode ser usado para que os pais entendam o que os filhos falam. E também para que bofes (heterossexuais masculinos) compreendam melhor as frases de suas namoradas, já que muitas mulheres falam como os gays”, explica.
O dicionário inclui palavras usadas por gays de Portugal e de outros países que falam o português, como São Tomé e Moçambique. Além da classificação formal utilizada pelos dicionários convencionais, “Aurélia” traz os bons e velhos substantivos, adjetivos, advérbios e a origem dos vocábulos e expressões.
“Muitos termos do candomblé foram apropriados pelos gays, para que eles fossem entendidos entre si, mas não por pessoas de fora desse grupo. A esse conjunto de termos dá-se o nome de bajubá ou pajubá”, explica Fred. O Bajubá ou Pajubá é o conjunto de vocábulos que tem suas origens nas línguas africanas e que é empregado em rituais religiosos como o candomblé, que aliás sempre aceitou muito bem a homossexualidade.
Quem quiser ser universal e entendido no bajubá vai dar muita risada com expressões como “monsteróide” – bicha monstra e bombada nos esteróides,
”uó” - algo ou alguém ruim, feio, desagradável, “ramé” – bixa mal-vestida e “omivará” – esperma.
Os autores contam que a idéia de reunir os verbetes surgiu há dez anos quando ambos trabalhavam em um site. A pesquisa partiu da prática verbal deles mesmos, com pesquisas pela Internet e com a colaboração de amigos que iam se lembrando de outros termos e os enviavam através de e-mails. Além disso, em cada cidade que eles visitavam para fazer um roteiro gay, surgiam palavras de uso muito restrito a determinada região. “No Rio Grande do Sul a colaboração através de pessoas que nem conhecemos. Elas curtiram a idéia e passaram a nos mandar os termos e seus significados”, conta Vip.
Segundo eles, os travestis são os responsáveis, por boa parte dos termos. "O bajubá é muito interessante, pois antes era um código entre eles. Quando dizem, por exemplo, "aqüenda o alibã", querem dizer cuidado com a polícia", lembra Ângelo.O tom de "Aurélia" é politicamente incorreto. Na primeira página, os autores já avisam: "Este dicionário não tem a pretensão de ser politicamente correto. Muitos termos são chulos e pejorativos, podendo ser ofensivos para determinadas pessoas ou grupos. Nesse caso, recomendamos a interrupção imediata da leitura". "Não teria graça alguma fazer um livro gay politicamente correto. E também, que coisa chata ter que ser chamado de gay. É viado, é bicha. Muitos grupos ficam com essa coisa de chamar de "homossexualidade", o que é uma chatice", conta Fred.
Apesar de escrito por dois homossexuais, o livro várias vezes tira sarro dos próprios gays. No verbete "piti", por exemplo, eles explicam: "Nervosismo, histeria, ataque de bichice". Em “dislexia”: “bicha confusa, com crises múltiplas de identidade, que anda sempre em busca de si própria... e nunca encontra”. “Aurélia, a Dicionária da Língua Afiada” funciona como a “versão bicha” do Pai dos Burros. Para os héteros, que bóiam quando ouvem expressões do tipo, é um excelente guia de sobrevivência. Para as bichas cultas, serve como prova de que a língua é dinâmica e está sempre em transformação. Apesar de tão "politicamente incorreto", parte da renda obtida é revertida a instituições de apoio a soropositivos.
“Que ninguém se prenda a essas chatices de gênero, que são sempre excludentes. Que tem que ser bicha, que tem que não ser, que tem que ser macha ou fêmeo. Seja aquilo que você é e seja feliz. E vamos nos divertir que tudo é truque”, finaliza Ângelo Vip.
Confira agora as expressões mais utilizadas no mundo GLS:
amapoa de canudo - Travesti não-operada
Bater bolo - Masturbação entre gays
Bater bolacha - Masturbação entre lésbicas
Bigodón - Lésbicas com bigode
Cagar no Maiô - Pagar mico
Capô de Fusca - vagina grande
Fazer a lôca - Ficar com muitos em uma só noite
neuza - homossexual japonês ou descendente
levar um banzai - levar um fora do(a) namorado(a)
Lassie - Mulher ou bicha cachorra com cabelos descoloridos
Lamber o carpete - Sexo oral entre lésbicas.
wonder woman - bicha multimídia performática e iluminada
vera boiola - bicha emergente
zoraide - bicha metida a clarividente; esotérica
manja-rola - (SP) gay que se masturba em banheiro público
barbie - homossexual de corpo inflado, adepto da musculação e das bombas
susie - barbie que não toma bomba; musculosa natural
mela-tecla - pessoa viciada em sexo cibernético e que se masturba na frente da tela do computador
nefertite ou matusalém - bicha muito muito velha, embalsamada, mas que ainda conserva uma aura de mistério
Picumã - Peruca, cabeleira, cabelo.
Por Carlos Sanchotene
Matéria feita pra ser publicada na Revista Plural da Unifra sobre a temática gay e não foi publicada.... uma pena... já que em 2008, os gays estão com tudo.... Obrigado ao Carlos, o Arte e Comunicação agradece pela colaboração...
Um abraço
domingo, 15 de junho de 2008
Soltando o verbo
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